Entradas, estradas

Entro e não me acho
Olho e não me vejo
E na interlocução que estabeleço
com um eu outro inexistente
Percebo que nem me ouço mais
Pobre da minha mente!

Afundo-me nos meus próprios conceitos
Subverto-me e submeto-me ao nada
Que como tudo se configura e me afoga
E adentro interiores desconhecidos
Com paredes altas e cabulosas
Das quais tento subir e morro
E minhas unhas arranham sangue e folha

E musgo, refluxo e regurgito-me
Proponho e provoco dores, marcas
Nunca dantes vistas,
Revista e invista
E invada, na busca de uma saída
E largue sua vida parca

Continuo e ando
Como antes - quando?
não em bando
Ou vou remando?
Não se sabem se por estradas
terrestres ou fluviais
A vida distribui-se por si
e por seus circunscritos canais
Ou ainda por vias aladas
Nas quais podemos enxergar
O vento, sua estrada.

Sem a esperança de me achar
Ou de ao menos tentar fazer
Não me escuso ou fujo do fim
Só acho que ele ainda
não é para mim.

Do céu e suas interrogações vãs

Qual a cor do céu hoje?
E como ele fugisse de mim,
a sua cor pálida se fizesse
em transparência translúcida
e suas nuvens se amiudassem.

Quem sabe rosa, ou preto
alaranjado, cinzento
num tardio eu olho
afundado estou nas lembranças
de quando azul era
e branco olhava por você.

Qual a cor do céu hoje?
Note as nuvens.
E eu relembro da misticidade
de um pôr-do-sol imaginativo
Imagina ou ativo?
E do movimento
O vento, lento, tento
sem místico e fora da cidade
ventos distantes, longos
fomos, não somos mais.

E as nuvens corredias,
arredias, desajuizadas
se mostram num fulgor esplêndido
Devassas, se mostram tão pegáveis.
Amáveis, voláteis, tocáveis:
como nós, como todos, como nada.

E o olhar pro céu
distante mas que trazia tão perto
as coisas que, estando ao léu
não via mais como certo
De certo, por certo
não acerto, ao certo.
Certa e mente as coisas não se encaixam.
Como a caixa cúbica, como um caixote
Repleto.
Encaixoto então lembranças
Das andanças interiores,
pelo teu, pelo meu.
Do que era anterior, quando você era citerior.
Não cito, nem repito.
E que fique, meu tempo quitoxe
Na escória das minhas memórias mais plácidas.
Que corroem e afinam a existência.

E a angina que me corrompe
Fique nessa página.
Virar a folha é um processo
Menos simples que tocá-la
Ser cirúgico sou.
E pacientemente, talvez
abandone a forma flou.

Mas a pergunta não irá se apagar
Pois a ti ela pertence
Num lance morto,
inúmeras tentativas pence
Mas estou a abjugá-la
Para lhe dar a penitência de me ser

Qual a cor do céu hoje?
Fugidio, refletindo-me
Hoje rosa, de nuvens laranjadas;
quando mais parecia sugar-me e
incolor se transformar abnorme.
Qual a cor do céu hoje?
Eu não vou esquecer.

Inconcebível

Que não se veja a lua no céu
Que se andem em nuvens nunca vistas
Ou melhor, que não se ande.

Que não se pise em ovos, mas cogumelos
Venenosos, que tenham o poder de expelir
florzinhas
e tanto faz, todas as coisas.

E que não seja necessário chutar uma lata
para dar a entender a pouca importância
que se permite presente
Arrebatado viver,
nem no ar, se sentir

Rir, por ultrapassar o universo
e não colocar em palavras, só usar
o inverso
para tentar explicar o que
está submerso
atípico e fora de cogitação
condição, disperso.

Sentir frio com vela
Tomar chá de canela,
Deixar de ser Gabriela
inventar e não dizer,
cogitar, plantar e não ser
Girar ao contrário uma manivela
Espirrar como sinal de saúde
Acordar todos os dias numa ataúde.

[O que é isso aqui? Ok. Fica registrado que eu adorei.]

Para canetas

Flagelado fui.
E na melancolia em que me posto
Apresento evasivas
Espirituoso
aviltado e arredio

Do que eu mesmo possa entender
E sorrio ácido
Para o inconsciente
Que loucamente se diverte
Do desespero que perpassa
Ecoa e arrebata meu ser
para o mais profundo dos infernos:
Os mais vis e mais quentes.
Pois esse incesto,
queria eu cometer.

Caso passes pela sua mente
Não me permitas te tocar
Porque devorar-te é o que intento.
E as minhas mãos são bocas
(que não existem)
que ardem convidativas, esperando
(que espectam a morte)

Agora entenda.
Não me flagele com sua escrita
Não me permitas desvendar-lhes leituras
Escreva em outro
Com sua tinta azul, de sangue

Esse papel
prefere ser mantido limpo
(tão alvo como você, sem olhos vê)
Sem a piedade de sua escrita,
Irmã querida,
Bonita em sua função vivida.

Giz

Abra, a caixa.
Tire de lá
com ímpeto.

Risque.
Rabisque.
Escreva, colorido
ou verde escuro e branco.
Você faz o que quer.

E entrega sem pestanejar
Depois, apaga;
joga no chão
Ou larga em qualquer.

E o choro do giz
Desmancha-se em pó.
Só pó.