Meretriz ao natural

Depois da noite, sempre vem o amanhecer...
Fenômenos naturais, naturalmente naturalizados.
Que não podem ser impedidos,
apenas observados.

Com que olhar, o faz, o meretriz?
Que se prostitui todo o tempo,
vendendo o que com o tempo,
nem mais se constitui a tempo.
Com tal olhar, observa?
Tão pública se torna,
tão mais vil retorna,
e não mais se transtorna.
Com o olhar, que institui.
E não aceita refutações.

Mas os olhares tão tantos,
e tamanhos são os olhos,
e de variedade tal!
Como é possível então, instituir uma só razão?
Um só método, uma só questão?

Depois do dia, a tarde cai, e o sol se põe.
Mais fênomenos naturais naturalizados,
que impostos, se configuram em simples
figurantes da figuração em que a humanidade se constitui.

Não esperemo-lo, meretriz!
Abomine a si mesma, numa crise identitária.
Repugne a sua vida, numa crise ideológica.
E não espere.
Mas faça acontecer o que se diz natural.
E veja com prazer, o que natural é.
Veja com seus olhos.
E não por lentes.

(programador em) Construções

Pensado a partir do poema Operário em Construção, de Vinícius, que tanto gosto...
Das discussões sobre movimento operário, "definição" de classe (com Igor e Izadora).
De tantas coisas, entre as aulas de Humanas durante todo o 2010. Deve ser a minha despedida do Ensino Médio, um tanto cômico, um tanto trágico...
- Da apresentação de Sociologia, nesse próximo sábado, para não boicotar o professor Theo!
Meu eu lírico (se eu o tinha) morreu a tempos, logo o blog morreu, mas...
Dedico a Izadora, por tanto e por tudo. No mais...


Era ele quem implementava tecnologia
Onde antes, a informação não chegara.
Com suas ágeis mãos e seus olhos atentos
Ele programava a sociedade informatizada.
Mas não sabia ele.
Também, como pensaria...
Como conceber que seu trabalho em casa,
era a forma mais vil de exploração?

De qualquer modo, podia
um programador, na gerência
de uma sociedade de si dependente,
entender que seu ar-condicionado
e superioridade perante os demais
Não pagava o que ele produzia?
E que ao olhar no espelho,
alienado de sua condição de operário,
Fazia exatamente o que o sistema queria?
Ora, seu salário era alto!
E trabalha a qualquer hora!
Programo sistemas!
Não sabia então, que era código deste.

Até então, desconhecia,
mas olhou-se diferente no espelho,
quando percebera ele
que da sociedade dependente
ele não estava excluído
Isso não se dara de um dia pro outro,
olhava o programador o entulho
da alienação que havia destruído.
Em um processo prático
Do qual ele não saberá explicar.
O programador lembrava do seu antepassado
(que, assombrado, notou que era um operário)
que morava às so(m)bras do gigante
que expelia fumaça.
trabalhando a toda hora
- como ele! -
que dormia entre ratos e traças.
Que tinha em seu corpo a peste,
Mas que (sub)existia.

Em que parecia, ora então,
O programador, com o homem
da época da Inglaterra em Revolução?
Macacão não usava.
Mas trabalhava muito mais horas que ele.
Parafuso não apertava.
Mas sua família estava em seu trabalho.
Ele, que não era nada humilde,
percebeu que tanto quanto
o antigo operário inglês,
era inimigo, e não componente
do mundo burguês.

Então, o programador-operário,
Tão igual aos outros,
Soube àquela hora,
Que em seu processo de (des)construção
não findo em seu esclarecimento
era preciso também lutar,
para se constituir, historicamente
e a dor, se torna assim sangue
que nutre e dá vida,
mas era impossível na solidão.
Então, olhava o espelho.
E via-se, naquele instante,
como engrenagem necessária
e como germe nascente, crescente
que necessitava reproduzir
por entre o movimento, tão social
como a melhoria, ansiada no porvir.

Mas daí olhou o operário-programador,
da sua janela.
E por mais que dissesse: não!
Viu que além das bocas da delação,
o próprio movimento não entendia,
ou não olhava o espelho, como ele fazia.
Pedia o descanso, exigia o direito.
Mas fazia isso em dias marcados,
Esquecendo das agressões que se seguiram
e das que ainda deveriam seguir,
por conta da surpresa
e da união que o patrão conseguira diluir.

Competindo, um chegava primeiro.
E caindo, o outro continuava atrás,
Mas alcançando, derrubaria com satisfação
O patrão bondoso, sorrateiro;
Trabalhador feliz e satisfeito
engolindo o bolo, deixando a cereja.
Comendo "direito do trabalhador",
(quando ser operário é ofensa)
todo criado pelo patrão.
Bolo solado, quando não oco.
Era pela cobertura barata
Que atualmente se era comprado.
Barato por que agora sabia
o operário programador,
que um computador mais que o pão valia.
Afinal comprava pães suficientes
para todos comerem mal e bem
e pagar não só o patrão,
mas lhe dar a sobra.
Sabia também, que essa sobra
não era osso, mas seu próprio pescoço.

Mas crescera o programador.
O que não se fazia em vão.
Sabia que o movimento poderia
contramolar mais uma vez.
Quando agigantasse outros dele,
a se criasse a consciência
de que não paga nada o salário.
E num dado momento da história,
se constituíssem mais do que são,
pois só de operários
no plano da estética, do aparentemente real
não se faz revolução!